Exportadores podem pleitear na justiça o aproveitamento de créditos de ICMS sobre materiais do uso e consumo.

Luiz Carlos Junqueira Franco Filho

Classificam-se como materiais de uso e consumo os bens que não são utilizados diretamente na atividade fim de uma empresa, nem incorporados em seu ativo permanente. Trata-se, por exemplo, de itens consumidos nos departamentos administrativos, produtos de limpeza, itens de manutenção e até mesmo utensílios de baixa vida útil empregados na linha industrial, mas que não entram em contato direto com o produto fabricado.

Embora sejam relevantes para as atividades de um estabelecimento, os materiais de uso e consumo nunca deram direito ao aproveitamento de créditos de ICMS.

A Constituição Federal determina que o ICMS será “não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.” (Art. 155, §2º, inc. I).

O legislador infraconstitucional sempre deu uma conformação restritiva ao comando constitucional, aplicando-o de acordo com chamado critério do “crédito físico”, segundo o qual as “operações e prestações anteriores” são aquelas envolvendo a entrada de mercadorias ou serviços que serão eles próprios objeto de uma nova operação, por exemplo itens de revenda ou, então, itens que integrarão ou serão absorvidos na fabricação de novas mercadorias, p. ex. matérias-primas e materiais de embalagens. Segundo esta lógica, mercadorias incorporadas ao ativo permanente e materiais de uso e consumo não davam direito a crédito de ICMS.

Esse modelo do crédito físico acarreta uma mitigação no princípio da não-cumulatividade, uma vez que não contempla direito a crédito a bens que, apesar de não integrarem fisicamente novas operações e prestações tributadas, desempenham um papel relevante para sua geração. Logo, se o imposto embutido no custo de aquisição desses bens não for convertido em um crédito, ele irá repercutir no preço das mercadorias e serviços ofertados pelo contribuinte, gerando assim uma incidência tributária em cascata. De outro lado, a não-cumulatividade se implementa de forma mais ampla pelo chamado modelo do crédito financeiro, que abrange todas as aquisições de bens responsáveis pela formação do preço da mercaria ou do serviço tributado.

A Lei Complementar (LC) 87/96 procurou adotar modelo mais amplo de créditos, estendendo o direito a sua apropriação às aquisições de bens do ativo permanente e materiais de uso e consumo. Na prática, contudo, apenas o crédito sobre bens do ativo foi implementado. Em relação aos materiais de uso e consumo, o aproveitamento de créditos entraria em vigor 1º de janeiro de 1998, mas esse prazo foi sendo sucessivamente prorrogado por alterações de redação da LC 87/96, estando atualmente fixado para 1º de janeiro de 2020. No entanto, em razão da precariedade das finanças estaduais, é provável que este prazo seja novamente prorrogado.

Embora questionada por diversos contribuintes, essa restrição foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ao argumento de que, em suma, o princípio constitucional da não-cumulatividade do ICMS comporta múltiplas interpretações, cabendo à Lei Complementar definir as suas feições, inclusive para adotar um modelo mais restrito, que exclua os materiais de uso e consumo (ADI 2325MC/DF, j. 23/09/2004).

No entanto, essa restrição ao crédito de ICMS não deve ser aplicada aos materiais de uso e consumo que tenham relação com exportações, na medida em que elas são imunes do imposto estadual e devem ser desoneradas por completo.

A Constituição Federal, em seu artigo 155, parágrafo 2º, inciso X, alínea “a”, com redação dada pela Emenda à Constituição 42, não se limita a afastar o ICMS “sobre operações que destinem mercadorias ao exterior”, mas também assegura ao exportador a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores(grifamos)

Essa segunda parte do dispositivo constitucional deixa claro que a imunidade do ICMS abrange as operações que antecedem as exportações, permitindo ao exportador recuperar o imposto cobrado nas aquisições de mercadorias e serviços que oneram suas atividades.

Aqui o princípio da não-cumulatividade e o aproveitamento de créditos de ICMS está compreendido no contexto maior da imunidade das exportações, como, inclusive, reconhece o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 606.107/RS, de 22/05/2013. Confira-se, a esse respeito, o seguinte trecho extraído do voto da Min. Rosa Weber, relatora deste precedente:

“Nos termos do art. 155, § 2o, II, “b”, da Carta Constitucional, a não incidência e a isenção nas operações de saída implicam a anulação do crédito relativo às operações anteriores. Mas, para as exportações – o que aqui sobreleva -, o tratamento é distinto. O art. 155, § 2o, X, “a”, da CF, a um só tempo, imuniza as operações de exportação e assegura “a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores”.

A finalidade desse dispositivo não é evitar a incidência cumulativa do ICMS, mas incentivar as exportações, desonerando, por completo, as mercadorias nacionais do seu ônus econômico e permitindo, dessa forma, que as empresas brasileiras exportem produtos, e não tributos.” (grifamos)

Tendo em vista que o direito a crédito de ICMS na entrada de mercadorias que contribuirão para a realização de exportações é um desdobramento de uma imunidade, a sua acepção deve ser a ampla mais possível, de maneira a evitar que qualquer ônus tributário seja embutido no custo do produto exportado. Esse objetivo maior a ser alcançado pela imunidade não condiz com a vedação ao crédito de ICMS sobre materiais de uso e consumo que estejam envolvidos na atividade de exportação.

Assim, ainda que se admita que uma Lei Complementar possa dar contornos mais restritivos ao princípio da não-cumulatividade, tais restrições não podem liminar o alcance da imunidade de ICMS às exportações.

Note-se que a própria Lei Complementar 87/96 permite o aproveitamento de créditos de ICMS sobre serviços de comunicação e energia elétrica consumida em atividades comerciais relacionadas com exportações (art. 33, inc. II “c” e III “b”), sendo que o mesmo crédito é vedado quando relacionado com operações internas. Inexplicavelmente, contudo, o mesmo critério não é aplicado aos materiais de uso e consumo, cujo crédito é vedado indiscriminadamente até 31/12/2019.

Por todas essas razões, os contribuintes de ICMS podem pleitear judicialmente o aproveitamento de créditos de ICMS sobre materiais de uso e consumo na proporção das suas exportações sobre o total de operações praticadas.

Essa tese será apreciada pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário 704.815, que foi afetado ao rito da repercussão geral. Espera-se, assim, que o STF corrija a distorção no regime de aproveitamento de créditos de ICMS dos estabelecimentos exportadores, restabelecendo a imunidade em sua plenitude.