Lei Paulista que institui ICMS sobre importação de bens por pessoa física não tem amparo em Lei Complementar anterior.

Em 19/05/2000, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que os Estados e o Distrito Federal não tinham competência para tributar ICMS sobre importações de bens realizadas por pessoas físicas.

Em razão dessa decisão, proferida no RE 185.789, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional n. 33/01, para alargar a competência tributária dos Estados, de maneira a abarcar as importações por pessoas físicas.

Contudo, a alteração da Constituição Federal não é suficiente para validar a cobrança do ICMS sobre uma operação que passou a fazer parte da competência tributária estadual.

Sob o ponto de vista normativo, para que a exigência do ICMS seja válida, são necessários três requisitos, implementados necessariamente nesta ordem: (a) a outorga de competência tributária pela Constituição Federal, (b) a existência de uma Lei Complementar, na qualidade de norma geral em matéria tributária, em nível nacional, para definição dos elementos essenciais do fato gerador e, finalmente, (c) o exercício da competência pelo estado-membro, por meio da edição de lei ordinária para legitimar a cobrança.

Ocorre que o Estado de São Paulo não observou esses passos, tendo optado por publicar uma Lei Estadual instituindo ICMS sobre importações por pessoas físicas antes mesmo que a Lei Complementar assim o permitisse.

Isso porque, no Estado de São Paulo, esse novo fato gerador foi instituído pela Lei Estadual nº 11.001, de 22.12.2001, aproximadamente um ano antes da alteração promovida pela Lei Complementar 114/2002.

No entanto, sendo o ICMS um imposto estadual com perfil nacional, a definição dos elementos essenciais à incidência tributária depende, obrigatoriamente, de respaldo em lei complementar.

Nesse contexto, se a Lei Estadual 11.001/2001 é anterior à Lei Complementar 114/2002, então ela só poderia tratar de fatos geradores previstos pela Lei Complementar 87/96 em sua redação original, que, por sua vez, não poderia contemplar o ICMS sobre a importação por pessoas físicas, que era inconstitucional à época de sua edição.

Em situação análoga, o STF já se manifestou no sentido de que as leis estaduais não podem ampliar as hipóteses de incidência do ICMS sem que haja o devido e prévio embasamento na respectiva Lei Complementar. (RE 436.796, j. 06/11/2013)

Portanto, caberia ao legislador paulista promulgar uma nova lei estadual para instituir novas hipóteses de incidência de ICMS importação, nos moldes da LC 114/2002, que seriam válidas a partir de então. Como isso não foi feito até o presente momento, a cobrança de ICMS importação por pessoas físicas com base na Lei 11.001/2001 não deve prevalecer, pois a nova LC 114/2002 não poderia validar “a posteriori” Lei Estadual que a precedeu e encontrava-se eivada de vício de nulidade, por contrariar as normas gerais vigentes no momento de sua edição.

Embora a maioria dos precedentes do STF e do TJSP seja favorável a essa linha de argumentação, há um precedente contrário da 2ª Turma do STF, no sentido de que a Lei 11.001/2001 passaria a ser válida a partir da LC 114/2002. Esse entendimento, contudo, contrasta com precedentes da Primeira Turma e com o próprio RE 436.796, que é do plenário do STF. Por essa razão, apesar de a matéria ainda não estar pacificada na jurisprudência, entendemos que há boas chances de se afastar a incidência de ICMS sobre bens importados por pessoas físicas no Estado de São Paulo.

Medida Provisória da Liberdade Econômica

No dia 30 de abril de 2019, entrou em vigor a Medida Provisória (MP) no 881/2019, que instituiu a “Declaração de Direito de Liberdade Econômica”, que engloba uma série de garantias de livre mercado a pessoas naturais e jurídicas. O texto objetiva a desburocratização e simplificação para os pequenos empreendedores. Para tanto, buscou-se reduzir a intervenção do Estado nas atividades econômicas consideradas de baixo risco, delegando aos Municípios a competência para estabelecer critérios de classificação de risco das atividades e estabelecendo a competência supletiva do Poder Executivo Federal para estabelecimento desses critérios.

A MP no 881/2019 não alterou norma tributária acessória. A principal mudança trazida por ela é que as atividades consideradas de baixo risco não dependerão de autorizações governamentais para o seu regular exercício. Na prática, essa regra garante que, independentemente do porte da empresa, desde que seja considerada de baixo risco, não será necessário obter qualquer tipo de licença (incluindo alvará de funcionamento e licenças ambientais) para exercer suas atividades. A fiscalização dessas atividades será feita posteriormente, mediante denúncia encaminhada a autoridade competente.

Como desdobramento da liberdade de trabalhar e produzir, a MP   procura limitar as opções de intervenção do poder público e dos sindicatos no que toca ao horário de funcionamento do comércio. Outro ponto relevante disciplinado pela norma em destaque é o da liberdade de definir preços, que visa minimizar os impactos legais que diminuem a competição comercial e impedem o surgimento de novos modelos de negócios.

No contexto da liberdade de inovar, fica vedado ao ente público exigir licença enquanto a empresa estiver testando, desenvolvendo ou implementando um produto ou serviço que não se enquadre na classificação de risco elevado. Nesse mesmo sentido, a MP prevê que, no âmbito da liberdade de modernizar, normas regulatórias tidas como desatualizadas deixam de produzir efeitos.

A MP no 881/2019 também alterou as regras de desconsideração da personalidade jurídica, estabelecendo que só será possível implementá-la quando comprovada a má-fé do empresário. Nesse sentido, foi alterada a redação do artigo 421 do Código Civil para trazer expressa a norma segundo a qual o Estado deve intervir minimamente nas relações contratuais, devendo a vontade das partes ser soberana e a revisão contratual determinada de forma externa às partes ser realizada apenas em situações excepcionais.

Outro ponto relevante a ser destacado é a existência de diversos conceitos jurídicos indeterminados, tais como “atividades de baixo risco”, “normas infralegais desatualizadas”, entre outros, que deverão ser definidos em regulamento ainda a ser publicado.

Por fim, cabe notar que a MP no 881/2019 produz efeitos desde sua edição. No entanto, esta norma deve ser aprovada pelo Congresso Nacional dentro de 60 dias, prorrogáveis por igual período. No Congresso, será constituída uma Comissão Parlamentar Mista a quem competirá analisar o texto proposto. Se aprovada pela Comissão Parlamentar Mista, o texto seguirá para votação no Plenário da Câmara dos Deputados e, após, no Senado Federal. Caso sofra modificações no Senado Federal, o texto deve ser analisado novamente no Plenário da Câmara dos Deputados. Se aprovada com alterações no texto original, a matéria será remitida à sanção presidencial. Já, se o Congresso Nacional aprovar a MP no 881/2019 sem alterações, ela deve ser remitida à promulgação.