A COMPENSAÇÃO DE DÉBITOS MUNICIPAIS COM VALORES A RECEBER VIA PRECATÓRIO JUDICIAL ESTÁ EM VIGOR ATÉ 31.7.2019

Marcela Vergna Barcellos Silveira

O Decreto Municipal n. 58.767, de 23.5.2019, regulamentou a possibilidade de compensação de valores a receber a título de precatórios judiciais, com débitos municipais, de natureza tributária ou não, anteriormente prevista pela Lei Municipal n. 16.953, de 12.7.2018 e pelo art. 105 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

A possibilidade de adesão ao programa de compensação expira em 31.7.2019, nos termos do art. 29 do Decreto 58.767.

Por esta razão, os contribuintes que, de um lado, possuem precatórios judiciais a receber e, de outro, débitos municipais inscritos em dívida ativa até 25.3.2015 (art. 8. do Decreto) poderão pleitear, por intermédio de seus respectivos advogados (art. 6 do Decreto) a referida compensação. Por sua vez, esta se dará necessariamente por intermédio de sistema eletrônico disponibilizado pela Prefeitura de São Paulo para esta finalidade (art. 11 do Decreto).

Quanto aos valores a serem compensados, deve ser considerado o valor líquido do precatório a receber, bem como o percentual de 92% do débito inscrito em dívida ativa. O percentual restante do débito (8%) deverá ser pago pelo contribuinte, em até cinco dias a contar do deferimento do pedido de compensação.

São, ainda, condições para a adesão ao programa de compensação mencionado (art. 8 do Decreto):

  • que o débito a ser compensado não tenha sido anteriormente objeto de parcelamentos incentivados no âmbito da Prefeitura de São Paulo;
  • que haja renúncia do direito à contestação do débito, em qualquer esfera.

Na nossa opinião, a regulamentação da possibilidade de compensação, bem como o exercício desse direito pelos contribuintes, visa o saneamento de eventuais pendências financeiras relacionadas à Prefeitura de São Paulo, eis que, muitas vezes, o erário municipal e os contribuintes encontram-se nas posições de credores e devedores em relação a valores mais ou menos equivalentes.

Da mesma forma, a existência de prazo para adesão ao programa (31.7.2019) parece-nos uma medida que visa que este saneamento se dê em um prazo relativamente curto, a fim de que as pendências mencionadas acima não se eternizem como observamos hoje.

Neste sentido, aliás, a possibilidade de compensação é um pleito antigo dos contribuintes, que agora podem vê-lo realizado.

Parece-nos, portanto, uma medida salutar, a ser seriamente considerada pelos contribuintes que possuam valores a receber e dívidas a pagar junto à Prefeitura de São Paulo.

CRÉDITOS DE ICMS SOBRE SACOLAS DISTRIBUÍDAS POR ESTABELECIMENTOS VAREJISTAS

EM 31/05/2019 foi publicada a Decisão Normativa (DN) CAT n 4, manifestando o entendimento do fisco paulista de que as sacolas plásticas, destinadas gratuitamente por supermercados e outros estabelecimentos varejistas, não dão direito a crédito para aqueles estabelecimentos.

Esta Decisão Normativa tem o status de norma complementar tributária, produzindo efeitos para todos os contribuintes e revogando antigas Respostas a Consultas favoráveis sobre a mesma matéria. Embora o normativo verse expressamente sobre sacolas plásticas, entendemos que o mesmo entendimento se aplica a sacolas confeccionadas com outros materiais, como papel e cartolina, mais utilizadas no segmento de vestuário.

Para fundamentar seu posicionamento, a Decisão Normativa parte de uma constatação de que “as sacolas plásticas não integram o produto vendido, nem são consumidas em processos de industrialização” para, daí, afirmarem devem ser enquadrados como materiais de uso e consumo, sem direito a crédito.

Embora a premissa fática de que as sacolas na integram o produto vendido nem são consumidos em processo industrial esteja correta, essas características não fazem com que esses bens sejam automaticamente classificados como bens de uso e consumo, sem direito a crédito.

Nesse ponto, a Decisão Normativa CAT 4/2019 mistura conceitos e aplica restrições ao crédito de ICMS com base em uma concepção mais restritiva do direito ao crédito de ICMS que não é compatível com as normas gerais ora em vigor, previstas, em âmbito nacional, pela Lei Complementar 87/96.

A vedação de créditos de ICMS para bens que não integram o produto vendido nem são consumidos em seu processo industrial está prevista no artigo 31 do Convênio ICMS 66/88, que vigorou como diretriz nacional de incidência do ICMS entre a promulgação da Constituição de 1988 e a edição da Lei Complementar 87/96. Confira-se a integra desse dispositivo.

“Art. 31 Não implicará crédito para compensação com o montante do imposto devido nas operações ou prestações seguintes:

I – a operação ou a prestação beneficiada por isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação;

II – a entrada de bens destinados a consumo ou à integração no ativo fixo do estabelecimento;

III – a entrada de mercadorias ou produtos que, utilizados no processo industrial, não sejam nele consumidos ou não integrem o produto final na condição de elemento indispensável a sua composição;

IV – os serviços de transporte e de comunicação, salvo se utilizados pelo estabelecimento ao qual tenham sido prestados na execução de serviços da mesma natureza, na comercialização de mercadorias ou em processo de produção, extração, industrialização ou geração, inclusive de energia. (grifos nossos) “

Note-se que o dispositivo em questão enquadrava em incisos diferentes os bens de uso e consumo (inciso II) e os bens que não integram o produto final nem são consumidos em sua industrialização (inciso III). Partindo-se do princípio básico de interpretação, segundo a qual uma norma não deve ser redundante, nem possuir expressões inúteis, já é perfeitamente possível concluir que nem todo o item enquadrado no inciso III acima caracteriza-se, automática e necessariamente, como um material de uso e consumo. Pelo contrário, ao criar hipóteses distintas de vedação ao crédito, o legislador da época admitiu que o material de consumo possui um conceito próprio, que não se define apenas por exclusão dos bens que, nos termos do inciso II, não se classificam como insumos.

Pois bem, com o advento da Lei Complementar 87/96, as vedações aos créditos de ICMS pertinentes a esse comentário passaram a ser tratadas no artigo 20, § 1º e 2º combinados com artigo 33, inciso I, a seguir reproduzidos.

Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.

  • 1º Não dão direito a crédito as entradas de mercadorias ou utilização de serviços resultantes de operações ou prestações isentas ou não tributadas, ou que se refiram a mercadorias ou serviços alheios à atividade do estabelecimento.
  • 2º Salvo prova em contrário, presumem-se alheios à atividade do estabelecimento os veículos de transporte pessoal.

(….)

Art. 33. Na aplicação do art. 20 observar-se-á o seguinte:

I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1o de janeiro de 2020; (Redação dada pela LC nº 138, de 2010)

Depreende-se do texto legal que a vedação ao crédito de ICMS especificamente sobre bens que não integram o produto nem são consumidos em seu processo de industrialização foi revogada. De outro lado, permanecem sem direito a crédito (i) as mercadorias e serviços alheias a atividade do estabelecimento e (ii) os materiais de uso e consumo adquiridos até 31/12/2019.

O fato de a sacola integrar ou não o produto final não representa, por si, qualquer óbice ao direito a crédito de imposto. Importa, isso sim, saber se esse item é alheio à atividade do estabelecimento ou se encaixa no conceito de material de uso e consumo.

Quanto ao primeiro requisito, a Lei Complementar é muito clara ao eleger a atividade do estabelecimento como critério fundamental para o aproveitamento de créditos sobre determinada mercadoria ou serviço. Assim, a aquisição de um bem renderá ensejo ao aproveitamento do crédito se este tiver ligação com a atividade do estabelecimento e não renderá se for alheio a esta atividade.

Bens alheios à atividade do estabelecimento devem ser entendidos como aqueles totalmente supérfluos ao exercício das tarefas da empresa e que, embora adquiridos em seu nome, atendem interesses não relacionados com os seus objetivos corporativos. Nesse sentido é o exemplo trazido na própria Lei Complementar, de veículos adquiridos em nome da empresa, mas de uso pessoal de seus dirigentes os familiares.

No caso concreto, as sacolas plásticas estão claramente relacionadas com a atividade do estabelecimento, tanto que esse ponto sequer foi aventado na Decisão Normativa CAT 4/2019,

Já os bens de uso e consumo são aqueles que, não obstante adquiridos por um contribuinte de ICMS, não serão envolvidos em uma nova operação mercantil ou prestação de serviço, deixando, portanto, de circular. O Regulamento do ICMS paulista, aprovado pelo Decreto 45.490/2000, em seu artigo 66, inciso V, define material de uso e consumo como “a mercadoria que não foi utilizada na comercialização ou a que não for empregada no respectivo processo de industrialização ou produção rural ou, ainda, na prestação de serviço sujeita ao imposto.”

Para ser caracterizada como material de uso e consumo de acordo com o conceito empregado no próprio regulamento, a matéria não deve ser utilizada na comercialização, o que é muito diferente de integrar ou não o produto vendido.

No caso das sacolas plásticas, evidentemente, não são parte integrante da mercadoria ali acondicionada, mas é evidente que esses itens são empregados diretamente na atividade comercial dos estabelecimentos varejistas, precisamente no momento que aperfeiçoa a compra e venda mercantil, isto é, a entrega da coisa e o seu respectivo pagamento.

Partindo-se da premissa de que o direito ao crédito de ICMS está condicionado ao envolvimento de uma mercadoria em uma nova operação de circulação, as sacolas em apreço atendem a esse requisito, pois são direta e fisicamente empregadas na operação de saída que desencadeia a incidência do ICMS para o estabelecimento varejista.

Sob esse prisma, as sacolas representam um acessório incorporado a uma operação mercantil e, como tal, fazem parte de uma nova etapa de comercialização. Diante dessas características, entendemos que o ICMS destacado nas notas fiscais de aquisições das sacolas disponibilizadas a clientes pode ser aproveitado como crédito pelos estabelecimentos varejistas.

Por fim, cabe tecer breves considerações sobre o precedente jurisprudencial mencionado na Decisão Normativa CAT, precisamente o acórdão preferido no AgRg no REsp 1.393.151-MG, proferido pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (Rel. Min. Humberto Martins, Dje. 19/12/2014).

Embora trate especificamente sobre direito de crédito de ICMS sobre sacolas plásticas, entendemos que esse julgado não seja representativo de uma jurisprudência sedimentada na corte, além de refletir o melhor entendimento acerca da matéria em litígio.

Em primeiro lugar porque o jugado faz referência a acórdãos mais antigos do STJ, muitos dos quais envolvendo períodos anteriores á vigência da Lei Complementar 87/96. Como vimos anteriormente, nenhuma restrição ao crédito de ICMS que tenha como fundamento o artigo 31, inciso III, do Convênio ICMS 66/88, aplicável aos itens que não integram nem se consomem na fabricação de uma mercadoria, pode ser aplicável após a créditos nascidos sob a égide da Lei Complementar 87/96.

Em segundo lugar, porque da leitura do Acórdão pode-se inferir que o contribuinte sustentava, equivocadamente, que as sacolas em questão seriam material de embalagem, o que realmente não é o caso. O direito a crédito, em nossa entender, não está relacionado com o conceito de embalagem, mas simplesmente decorre da constatação de que tais sacolas não se enquadram na categoria de bens de uso e consumo muito menos são utilizadas de forma alheia à atividade do estabelecimento.

Por fim, o precedente afasta o crédito sob o argumento de que as sacolas não seriam indispensáveis à atividade do estabelecimento. Conquanto esse requisito é determinante, por exemplo, para os créditos de PIS e COFINS, ele não pode ser transplantado para a não cumulatividade do ICMS, que possui fundamentos e regras próprias. No caso concreto, a legislação paulista, ao formular um conceito de material de uso e consumo sem direito a crédito, exige que o bem não seja utilizado na operação tributada. Na medida em que as sacolas são ostensivamente utilizadas nas vendas de mercadorias, cumpre-se requisito para se afastar a caracterização deste item como material de uso e consumo sem direito a crédito. Ainda que aceite o argumento de que tais sacolas não essenciais à venda, o que é bastante discutível já que sua disponibilização é prática arraigada no comercio varejista brasileiro, elas certamente não poderão ser consideradas alheias a atividade do estabelecimento, o que já basta para permitir o crédito de ICMS.

Diante do exposto, entendemos que o posicionamento fiscal oficializado pela Decisão Normativa CAT 4/2019 está equivocado e pode ser questionado em juízo pelos contribuintes do setor varejista, que possuem o direito ao aproveitamento de créditos relativos ao ICMS destacado na aquisição de sacolas disponibilizadas a seus clientes.